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sexta-feira, 13 de setembro de 2013


Danuza Leão fala sobre o sentido da paz e da felicidade na correria do mundo atual
Danuza Leão em 13.09.2013


Nada melhor do que um feriado no meio da semana. Um feriado inesperado, que não dê para espichar com o fim de semana. Um feriado tão bobo que te pega de surpresa: você acorda e não tem nada para fazer - ah, não dá nem para acreditar. O comércio está fechado e, que bom, não vai dar para "aproveitar" e tratar de tudo aquilo que anda tão atrasado. A cidade está morta e ficar em casa sem nada para fazer pode ser uma bênção. E, por favor, se dê essa trégua: nesse dia, nada, rigorosamente nada.

Mas, mesmo quando não se faz nada, se faz alguma coisa. Ler é uma delícia,mas periga excitar os neurônios, e ouvir música... Bem, a não ser que você pertença ao grupo dos altíssimos apreciadores, ouvir música sozinha vai depender de que tipo. Nada exige mais coragem do que escutar um disco novo, e os que a gente já conhece trazem sempre uma recordação, seja ela de que espécie for. Se for uma má recordação, é um desastre e, se for uma boa, é outro desastre. Não tem coisa pior do que sentir saudade de tempos que "no vuelven más", como diz o tango - e tem gente que não faz outra coisa.Mas não é o caso aqui.

Que tal inventar uma boa coisa para comer? Ir para a cozinha às vezes é ótimo. E saber cozinhar dá uma sensação de independência e modernidade - desde que a receita não seja muito complicada.Mas, apesar de todos os programas de TV ensinando, o problema é a compra dos ingredientes. As receitas mais fáceis precisam de uns 20 - e quem vai comprar? Que tal, então, umas rabanadas?Com um cálice de vinho do Porto, não tem melhor. Pão, todo mundo tem em casa. Leite, ovos, açúcar e canela também. Acontece que na despensa e na geladeira de uma mulher moderna não tem nada disso. E fazer fritura em casa nem pensar. E rabanada não é coisa que se coma sozinha; é preciso gente em volta, crianças, presentes desembrulhados, uma certa zoeira para combinar. Ficamos, então, só com o vinho do Porto, e pronto.

O tempo está passando e, às 2h15, o silêncio na casa é total. Quem sabe a televisão? Não, ver TV à tarde é demais. Os jornais já foram lidos - mal lidos, é verdade - e a cabeça não quer nem ouvir falar de inflação. A família, se não apareceu, é porque está bem. Será mesmo possível que vai dar para passar um dia inteiro calma, sem lembrar - ou inventar - uma só coisa para esquentar a cabeça? Tudo indica que sim, o que é tão inédito que já é uma bela razão para começar a se preocupar.Mas não; hoje, não.

O telefone não toca, os eletroeletrônicos estão funcionando, não é preciso abrir a agenda para anotar que amanhã vai tomar tal e tal providência. Que coisa estranha! O mundo está silencioso, parado, sem uma só dor, uma só alegria, uma só aflição.Mas não é isso que tanto se procura? Então, essa sensação deve ser a tal da felicidade, será? E como seria viver assim todos os dias, sem anseios, angústias, ansiedades?

Não, nem pensar. Tomara que chegue logo amanhã para ter boas razões para reclamar. Nada de importante, apenas as reclamações de sempre: que você não consegue emagrecer 2 quilos, que está exausta, que está pensando em largar o trabalho, o marido ou em inventar uma viagem, só para mudar, só para variar. É que hoje não está dando. A tal da paz- será isso a felicidade? - se instalou, e a única coisa que a mantém viva é imaginar que amanhã de manhã todos os problemas do mundo vão voltar.

Muito esquisita essa tal de felicidade.

Danuza Leão é cronista, autora de vários livros, entre os quais Fazendo as Malas (Cia. das Letras) e É Tudo Tão Simples (Agir)



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