Esse blog destina-se ao registro de acontecimentos da família Caffé além de coisas do cotidiano, diversão, arte, reflexão, passeios, música e tudo que chamar a nossa atenção.



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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Morte e Vida Severina

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Na minha juventude, sempre estive envolvida com o meio artístico, e gostava muito de representar, declamar, cantar.

Uma das peças que representei, fiz uma pequenina parte, foi Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Íamos todas as noites ao Cine Massangano, após as sessões de cinema, para ensaiarmos. Eu adorava tudo aquilo, embora meu pai ficasse bravo, pois quem já viu uma moça de família numa cidade do interior, depois de 10 horas da noite na rua? Por isso eu ia sempre acompanhada de uma das minhas irmãs.

Decorei a minha parte, que era de uma cigana, e a fala de todo mundo. Vivia em casa repetindo os textos belíssimos e marcantes deste Severino, retirante nordestino que representa milhões de brasileiros que percorreram a mesma trajetória fugindo da morte para a vida.

É lindo o texto do Severino, leio e me emociono.

O RETIRANTE EXPLICA
QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.



Saudades!!
Beijos
Grácia
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Um comentário:

Cristina disse...

Nossa Gracia! Que legal!!
Fui muito a esses ensaios e decorei parte ou todo o papel de muitos personagens. As músicas ainda são presentes em minha memória.
Ótimas lembranças.
Beijos